Skip to content Go to main navigation Go to language selector
Saab Global

Pesquisadora defende a colaboração industrial no setor Naval

9 min read

Entrevista com a pesquisadora Carolina Ambinder 

Ao cooperarem umas com as outras, as nações têm benefícios mútuos. Esse é um dos principais pontos defendidos no artigo "Indústria Naval Brasileira e Sueca" (do original, em inglês, Brazilian and Swedish Naval Industry), escrito por Carolina Ambinder, pesquisadora do Interagency Institute e do Instituto Igarapé, além de doutoranda em Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança, pela Universidade Federal Fluminense.

No artigo, explora em uma perspectiva teórica, as semelhanças entre o setor de defesa naval do Brasil e da Suécia: a internacionalização e a clusterização*. Para compreendermos o atual cenário da indústria naval brasileira e suas oportunidades, a convidamos, para uma entrevista exclusiva, que pode ser lida a seguir.

image---carolina-ambinder.jpeg

1. Qual é o panorama atual do setor naval do Brasil, tanto em relação aos desafios quanto às oportunidades? E da América Latina?

As oportunidades do setor naval brasileiro encontram-se, principalmente, no Rio de Janeiro, onde fica o Cluster Naval Tecnológico, mais voltado à manutenção e reaquecimento da indústria existente; e em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco, que têm sido cada vez mais palco de novos investimentos. O desafio é então a integração intra e interestatal em um território de dimensões continentais.

Em relação aos países da América Latina, podemos destacar o setor naval do México, da Argentina, do Chile, do Peru e da Colômbia. De modo geral, o desafio contínuo desses países é a dependência estrutural estadunidense, além de, novamente, a promoção da integração entre os mesmos – dessa vez pela ausência de uma real identidade latino-americana, fundamentalmente.

Esses desafios, contudo, passam por uma série de tentativas de superação, como a Aliança para o Pacífico, bloco comercial formado pelos países latino-americanos elencados (com exceção da Argentina) e voltado à Ásia; e, mais recentemente, o Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (PROSUL), criado em substituição à União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), não contando com México e sendo um espaço de discussão de questões de defesa, entre outras.

Além disso, Brasil, Argentina e, no caso, também o Uruguai, encontram-se cada vez mais atentos ao Atlântico Sul, pertencente ao seu entorno estratégico, de maneira que cresce a mentalidade marítima da região e, havendo o desenvolvimento naval do estado do Rio Grande do Sul, a comunicação entre esses países possui uma porta de entrada brasileira e vice-versa.

2. Qual a importância da colaboração entre forças armadas de nações diferentes para o desenvolvimento de novos projetos de Defesa?

A importância da colaboração entre forças armadas se materializa através da troca de informações, transferência de tecnologia, acordos de compensação (offsets), redução de custos, intercâmbio cultural, apoio logístico, participação em fóruns/eventos, realização de capacitações, entre outros. Considerando a consequente formulação de políticas mais eficientes para a indústria de defesa, por exemplo, tem-se ainda que adquirir equipamentos de instituições desenvolvidas também afasta a possibilidade de conflito armado entre o país fornecedor e o comprador ou receptor.

Por último, relacionando esse panorama ao setor naval, reflete-se que as marinhas são forças armadas com maior vocação às Relações Internacionais (no caso da Marinha do Brasil, o apoio à política externa consta, inclusive, na missão da Instituição), devido à sua capacidade de alcance de longas distâncias e ao fato do mar conectar todo o mundo, assim como a repercussão de seus incidentes. Nesse sentido, os países detentores de forças navais devem explorar o atributo de internacionalização que é, primeiramente, de percepção pela outra parte, construindo, então, uma reputação no sistema internacional e auxiliando a conquista de novos projetos em defesa, tornando a visibilidade estabelecida coerente com a prática e desenvolvendo processos decisórios.

3. Quais seriam os principais benefícios para a indústria naval brasileira com uma possível colaboração industrial com a Suécia?

Da mesma forma em que o Brasil pode alavancar o processo de internacionalização da Suécia, esta possui como ponto forte o potencial industrial e de inovação, cujas práticas podem ser aproveitadas e adaptadas à realidade brasileira. Associando essa dinâmica ao setor de defesa, então, observa-se que a Suécia realiza investimentos altos e estáveis em suas Forças Armadas, possuindo muitos projetos ativos e com capacidade de transbordamento dos resultados (spillovers).

Nessa conjuntura, o setor naval da Suécia, em específico, possui ampla experiência na produção de fragatas, por exemplo, tendo já sinalizado ao Brasil o interesse em acordos nesse sentido. Do ponto de vista acadêmico da Suécia, há ainda, no longo prazo, oportunidades em torno de tecnologias classificadas como impactantes para o setor de defesa, sendo essas, respectivamente, radares cognitivos (de inteligência artificial/IA), tecnologias 5G e Sistemas Multi-Domínios UxS. Finalmente, defende-se que o Brasil se beneficiaria de uma maior aproximação com a indústria da Suécia também pelo fato da relação entre esses países cumprir ou possuir condições favoráveis ao cumprimento de requisitos da colaboração cooperativa, a exemplo da visão comum de seu caráter estratégico, experiência prévia de colaboração e determinação da liderança de uma das companhias no processo.

Outros fatores relevantes seriam o grau de inovação dos produtos, o tipo de divisão de trabalho e o papel do Estado na iniciativa, capaz de aumentar ou restringir a competitividade de um cluster.

4. Em seu artigo, são mencionados marcos de parceria entre Suécia e Brasil no setor naval ao longo dos anos. Do seu ponto de vista, quais as áreas do setor naval brasileiro mais se beneficiariam de parcerias para seu desenvolvimento?

Atualmente, acredita-se que a parceria entre o Brasil e a Suécia no setor naval brasileiro possui as seguintes oportunidades, principalmente: criação ou aprimoramento de sistemas de vigilância, produção ou sofisticação de navios (a Suécia foi, por exemplo, um dos países participantes do processo de modernização da Fragata Liberal, uma das atuantes na UNIFIL, missão de paz da Organização das Nações Unidas/ONU no Líbano), produção de aeronaves (o Plano Estratégico da Marinha/PEM para 2040 foca em helicópteros, mas aqui também poderia ser discutido o Gripen naval) e desenvolvimento de contramedidas de minagem.

Por fim, devido ao seu alto desenvolvimento tecnológico e experiência de intensa integração entre diferentes tipos de agências, ressalta-se que a Suécia poderia contribuir muito para a capacidade cibernética da Marinha do Brasil, hoje com um planejamento de formação de um Esquadrão Cibernético, que necessitará, essencialmente, de recursos materiais.

5. Pode citar exemplos de soluções que foram desenvolvidas com foco na indústria de defesa naval e posteriormente, a partir do transbordamento de tecnologia, passou a fazer parte do dia a dia da sociedade?

No Brasil, o exemplo mais recente de solução na indústria naval com transbordamento de tecnologia é Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), no qual estão sendo construídos quatro submarinos convencionais e um de propulsão nuclear.  A partir dessa iniciativa, diversos outros efeitos irão ocorrer, como a transferência de tecnologia (da França, a outra parte do acordo), capacitação de pessoal, construção de fábricas, estaleiro e base naval, acordos de compensação, produção nacional de sistemas e equipamentos e a criação ou o desenvolvimento de clusters.

O PROSUB se relaciona ao Programa Nuclear da Marinha que, fundado em 1979, é um dos poucos programas estratégicos de décadas do Estado brasileiro, promovendo também uma fonte de energia alternativa para fins pacíficos – a energia nuclear.

Em relação ao setor naval, muitos outros spillovers são aproveitados pela sociedade, como iniciativas de biossegurança, serviços de inteligência (como reconhecimento fácil e de voz), contramedidas eletrônicas para sistemas de comunicação, criptografia para a segurança da informação, digitalização da cartografia, veículos híbridos, etc.

Finalmente, registra-se que o Programa Gripen Brasileiro já inclui mais de 60 projetos de compensação, relacionados, por exemplo, à designs tecnológicos, integração de sistemas comerciais e de outros tipos de dados, radares, desenvolvimento de softwares e de sistemas importantes à navegação.

6. A Suécia é reconhecida mundialmente pelo sucesso da execução do modelo tripla-hélice de inovação. Como uma parceria com o Brasil pode nos ajudar a intensificar a conexão entre a academia, a indústria e o governo aqui?

A integração entre governo, indústria e academia – chamada tripla-hélice – é um modelo tido como desafio em todo o mundo; assim, é um mérito ainda maior que a Suécia o execute com êxito. Dentro dessa prática, então, entende-se que o passo inicial é a conscientização da importância desses três setores e o modus operandi de integração entre eles, o que pode ser referenciado como cooperação interagências.

Como ocorre em um cluster, o modelo tripla-hélice requer uma postura colaborativa entre seus atores, o que é regido pelo voluntarismo; com isso, faz-se necessário crer na repercussão das iniciativas de baixo para cima (bottom-up), ou seja, na relevância dos microprocessos e sua incidência na política doméstica e externa.

Além disso, em termos práticos, sugere-se atenção à existência de instituições que materializam essa integração entre diversos setores, a exemplo do Ministério da Empresa e Inovação da Suécia, unindo a atuação pública e interesses privados, como políticas de maior fomento a esse setor (mas a etapa inicial deve ser, é claro, o processo de institucionalização em si).

No modelo sueco, por ser parte da União Europeia (UE), chama atenção também a participação do país ou presença em seu território de diversas agências do âmbito europeu, o que estimula certo padrão no funcionamento do sistema da Suécia e favorece consultas, mas permite também uma maior visibilidade de seus próprios atores.

Levando em conta o setor de defesa e, em especial, o naval, são exemplos dessas agências o grupo Euro-Maritime, o European Network of Maritime Clusters (ENMC), a European Cluster Collaboration Platform, a Agência Europeia de Defesa (AED) e o Continuing Education Institute (CEI).  E, trazendo esse quadro para o cenário brasileiro, sugere-se que o país se dedique a instituições externas efetivas, nas quais possa se apoiar para a implementação, desenvolvimento, e, respeitando sua soberania, supervisão de um modelo de integração na sociedade.

*Os clusters são concentrações de empresas com características similares, estabelecidas no mesmo lugar e que ficam mais eficientes colaborando entre si. Sendo assim, a clusterização é a formação desses clusters.